Posição e síntese da intervenção do S.TO.P na reunião com o Ministro da Educação relativamente ao despacho sobre as habilitações próprias:
“1. É fundamental referir que todas estas alterações e a crescente necessidade de recurso a habilitações próprias para leccionar demonstra um falhanço do próprio governo, com enormes consequências na dignificação da profissão docente e na qualidade de ensino na Escola Pública. Em junho de 2016, por exemplo, o atual Primeiro Ministro António Costa, desafiava os professores de português sem trabalho a emigrar. Das duas uma, ou ignorava olimpicamente o que já era público, que a classe docente estava muito envelhecida e os cursos de formação de professores praticamente vazios ou sabia e, simplesmente, não quis saber. As duas justificações possíveis, ignorância irresponsável ou insensibilidade atroz, são ambas graves. E não foram só as afirmações avulsas do Primeiro Ministro, foram estruturalmente as políticas educativas desde 2015 (muitas no seguimento das políticas nefastas de anteriores governos) que agravaram cada vez mais as condições da classe docente (roubos no tempo de serviço, avaliações injustas e com quotas, desvalorização salarial, fim da gestão democrática, aumento do trabalho burocrático, lesados da SS, ultrapassagens, passagem involuntária da CGA para SS, etc).
2. Esse brutal desrespeito e desvalorização da profissão docente é a razão de fundo que explica a atual falta de professores. Porque muitos milhares de professores (com formação pedagógica e ainda em idade ativa) abandonaram e abandonam o ensino, porque se esvaziaram os cursos de formação de professores em Portugal e, consequentemente, porque temos hoje uma das classes docentes mais envelhecidas e esgotadas da Europa: os nossos alunos merecem melhor!
3. A falta de professores é um problema grave e é em grande parte responsabilidade deste governo que em 7 longos anos muito poderia ter feito para resolver esta tragédia anunciada, valorizando a classe docente (e não agravando os ataques a esta). No entanto, este problema grave que tem prejudicado milhares de crianças/jovens não pode servir de desculpa agora para diminuir significativamente os requisitos mínimos para se poder leccionar. Isso desvaloriza ainda mais a profissão docente e diminui brutalmente a qualidade de ensino: os nossos alunos merecem melhor!
4. A falta de professores não pode justificar o deturpar totalmente os objetivos e a essência da Escola Pública, de igualdade e justiça social. Toda esta situação, irá potenciar ainda mais as assimetrias na qualidade de ensino entre alunos de diferentes regiões, uns com mais professores com formação pedagógica e outros com mais professores sem qualquer formação pedagógica. A Escola não pode ser um depósito de crianças/jovens onde cada vez se exige menos dos alunos e, injustamente, se exige mais de quem lá trabalha: os nossos alunos merecem melhor!
5. Quando faltam profissionais qualificados noutras profissões, o governo tenta atrair esses profissionais com melhores condições (ex: recentemente na saúde). Paradoxalmente perante este gravíssimo problema na Educação, o governo aprofunda ainda mais a desvalorização desta profissão nomeadamente dando a imagem errada de que ser professor é uma profissão menor, para a qual nem é necessária formação específica para a docência: os nossos alunos merecem melhor!
6. Uma revisão das habilitações para a docência, devido à sua fulcral importância deveria ser feita com muita ponderação, análise e auscultação de vários setores. No entanto, está a ser feito de forma atabalhoada (com despachos corrigidos a chegar em cima da hora mas, mesmo assim com erros, como por exemplo, no despacho, em vários grupos de recrutamento consta que 80 + 60 créditos correspondem a 120 créditos). Uma revisão das habilitações para a docência também deveria ser uma oportunidade única nomeadamente para reconhecer a profissionalização de professores que continuam sem grupo de recrutamento, vincular na carreira docente aqueles cuja candidatura ao PREVPAP foi homologada, criar finalmente esses grupos de recrutamento (por exemplo Teatro / Expressão Dramática entre outros) que abranja os cursos superiores que conferem habilitação para o grupo D07 (Portaria n.º 192/2002) e outros que eventualmente tenham sido criados depois de 2002. Deveria ser uma oportunidade para rever a Portaria n.º 192/2002, pois a licenciatura em Estudos Teatrais via Ensino deveria conferir habilitação profissional para o grupo D07, e não apenas habilitação própria. Tudo isto não tem qualquer sentido científico ou pedagógico: os nossos alunos merecem melhor!
7. Infelizmente esta alteração das habilitações aprofunda injustiças e apresenta situações absurdas (apenas alguns exemplos):
O S.TO.P. ouviu os professores, por exemplo, da Associação de Professores de Teatro-Educação e não se entende que no ensino especializado da dança seja requerido o mesmo número (e na mesma área) de créditos a todos os grupos, como se todos dissessem respeito a disciplinas da mesma natureza. Ora, o grupo D07 diz respeito a disciplinas da área do Teatro / Expressão Dramática, pelo que não faz sentido que estas sejam lecionadas por detentores de 120 créditos na área da Dança. Naturalmente o que faz sentido é que se exijam créditos na área do Teatro / Expressão Dramática: os nossos alunos merecem melhor!
Outro exemplo são os requisitos para habilitação própria para leccionar história no 2.º ciclo. Ouvimos professores de História, e neste despacho, a habilitação própria para ensinar história no 2.º ciclo (licenciatura em educação básica ou 80 créditos em Português ou 80 créditos em História) não é o mínimo, é muito abaixo do mínimo. A possibilidade de se admitir que alguém com 80 créditos em português ou com licenciatura em educação básica possa leccionar história do 2.º ciclo (História de Portugal da pré-história à atualidade e mais duas unidades de geografia do país, demografia e geografia humana) é ridícula: os nossos alunos merecem melhor!
E apenas mais um exemplo que nos parece sem sentido, como é que é possível exigir-se 80 créditos para leccionar Inglês ao 1.ºciclo e para leccionar Inglês no secundário apenas se exija 60 créditos. Os nossos alunos merecem melhor!
8. Esta questão das habilitações próprias ou dos requisitos mínimos em termos de créditos tem também possibilitado a descredibilização de algumas áreas carenciadas nos últimos tempos. Existem horários que são fragmentados e as suas horas distribuídas por docentes, que ou têm o número de créditos considerados necessários ou em que as direções consideram terem capacidade para as leccionar, em regime de horas extraordinárias, mesmo que estes não se sintam à vontade para as leccionar.
Esta legislação legitima cada vez mais esta ideia de professores polivalentes, especialistas em tudo e em nada a quem são dadas horas de áreas para as quais não tem preparação, só com o intuito de estatisticamente não haver professores por colocar e poupar dinheiro. Isto não é zelar pela qualidade do Ensino, é desrespeitar a profissão docente: os nossos alunos merecem melhor!
Temos como exemplo, horários do grupo 550 – informática, sobretudo com horas de TIC, que são distribuídas pelos mais curiosos em tecnologias, porque “basta saber dar uns cliques”. Ora a disciplina tem um programa bem específico e na Era da Informação bem sabemos que não bastam uns cliques para dominar as tecnologias, mesmo na óptica do utilizador.
Estes foram apenas alguns exemplos preocupantes (mas infelizmente há mais no despacho).
9. O decreto-lei/despacho apresentado apesar de ser sobre execução orçamental não tem uma medida, uma linha, uma palavra no sentido da valorização docente, para que possamos atrair mais, mas também os melhores profissionais para estarem diariamente a ensinar, a motivar, a apoiar as nossas crianças e jovens. Todas as profissões são importantes, mas num mundo cada vez mais assolado por injustiças, destruição e intolerâncias, a profissão docente é fundamental para uma sociedade mais justa, fraterna e ecologicamente sustentável: os nossos alunos merecem melhor!
Para que se atraia mais e melhores professores para as nossas crianças e jovens é urgente que o Ministério da Educação tenha uma mudança significativa de políticas. Para isso é fundamental que ocorra desde já o compromisso do Ministério da Educação em realizar urgentemente reuniões negociais (com datas concretas) sobre as questões mais graves para quem trabalha nas escolas, como por exemplo:
1) A revisão da avaliação injusta e artificial com quotas;
2) O subsídio de transporte e/ou alojamento para os Profissionais da Educação deslocados;
3) A contabilização de todo o tempo de serviço roubado;
4) A diminuição do excesso de trabalho burocrático e uma definição clara que todo o trabalho com alunos é componente letiva;
5) A abolição das quotas de acesso ao 5.º e 7.º escalões;
6) A redução do número de alunos por turma e medidas para combater a indisciplina;
7) A precariedade (AEC, contratados e professores sem grupo de recrutamento), incluindo a questão dos colegas lesados da Segurança Social e vinculação pelas reais necessidades do sistema educativo (vinculando todos com 3 anos de serviço independentemente de terem tido horário completo). Há colegas, por exemplo de alemão, em que dificilmente conseguem ter horário completo apesar de trabalharem há muitos anos consecutivos na escola pública;
8) A reinscrição na CGA dos Profissionais da Educação injustamente inscritos na Segurança Social após 2006;
9) Concursos docentes justos através da graduação profissional e sem obrigatoriedade de concorrer ao máximo de QZP para quem tenta entrar para o quadro;
10) Ultrapassagens na progressão da carreira docente;
11) Rejuvenescimento dos Profissionais da Educação e o direito a uma pré-reforma digna;
12) A situação aos monodocentes;
13) A gestão escolar não democrática.
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Síntese da reunião com o ME a 26 agosto
O ME reconheceu que a falta de professores é um problema estrutural, que o despacho tinha gralhas (por exemplo, da soma dos créditos 80 + 60 não pode ser 120) e que houve contributos importantes (sem especificar quais) de vários sindicatos que ainda poderão ser integrados no despacho definitivo. Justificou a questão do Grupo de Recrutamento 120-Inglês exigir mais créditos que o GR 330-Inglês por serem os créditos exigidos no acesso aos respetivos mestrados de ensino. Alias, referiu que os valores dos créditos tiveram todos como base os créditos considerados necessários para ingresso no mestrado para a via ensino. Também afirmou que em setembro, outubro e novembro haverá novas reuniões, com todos os sindicatos, para discutir outros temas (nomeadamente perfis de competências e concursos). No final deixou a ideia que, apesar de poder vir a integrar alguns contributos, no essencial, o despacho continuará como está.